quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Metrópole

Duas horas de uma madrugada quente e abafada. Giovanna desce do carro, de pés descalços, e os refresca pisando na grama molhada pelo orvalho conseqüente da chuva de verão. Ela faz um sinal com as mãos e o motorista segue seu rumo, enquanto ela caminha serenamente pela estrada de pedras até a portinhola da casa. Entra, trava a porta e pisa no fofo tapete da sala, com as solas dos pés ainda úmidas. Solta a presilha firme dos cabelos longos, joga seu corpo no sofá e instantaneamente dorme um sono profundo, por cerca de duas horas. Sonha com ardor, até o momento em que o celular toca e ela atende de imediato, ainda em transe pela volta súbita ao mundo real. A pessoa na linha avisa que está do lado de fora, aguardando a entrada, e que não tocou a campainha para evitar qualquer susto grotesco. Ainda bem. Ela mal termina de assimilar os dizeres e abandona a linha, se arrastando até a porta. Ao vê-la, Vinícius finaliza a ligação e entra com várias sacolas de mercado. Sorridente, ela senta na poltrona e, com os olhos semicerrados, diz:

- Que horas são? Acho que você demorou.

Cansado, ele responde com um tom de explicação conformada.

- Quarenta minutos de ida e quarenta de volta, preso em um congestionamento abismal, é um tempo de nada. Problema dos que moram na entrada de uma cidade grande, em véspera de feriado… Chegar ao bendito mercado consumiu minhas santas horas de sono.

Ela se estica para alcançar o celular no sofá, e verifica que são 4h07.

- Tanto tempo… Eu iria junto, mas você pediu que eu esperasse em casa.

Sério, ele ajeita as compras em cima da mesa da cozinha e senta na banqueta, abrindo uma água com gás. Enquanto bebe os primeiros goles no gargalo, analisa a mulher, considerando-a um tanto graciosa, apesar dos cabelos suados e desgrenhados em seu perfil sonolento. Guarda para si os elogios, não seria algo credível para o momento.

- Apesar de movimentada, a estrada ainda é perigosa no alto da madrugada. E você estava podre demais. Ainda está, diga-se de passagem.

Giovanna agradece ironicamente e senta ao lado dele. Beija-o no olho e encosta a cabeça no seu ombro.

- O que você trouxe? – Diz.

- Nossas necessidades básicas para sobreviver três dias isolados em uma casa longe de qualquer comerciante. Comida, filmes, engradados de cerveja, camisinhas – Ri com malícia. – E camisas-de-força, obviamente, para sobrevivermos um ao outro.

Ela retoma os itens mentalmente e responde, espreguiçando-se.

- Certo… Podemos fazer balões com as camisinhas e damos um jeito nos filmes. Vestimos as camisas-de-força e podemos competir testando quem come mais rápido. E os engradados, sei que não existem. Não bebemos tanta cerveja para precisar de alguns por um final de semana… Mas se você quiser encomendar, quem sabe, uma dúzia deles, eu posso entrar em coma alcoólico e ganhar gelatina grátis do hospital.

Ele ri novamente.

- Mesmo com sono, permanece ligada… Juro que amanhã fazemos gelatina, sem risco de contaminação hospitalar. Por que não dorme, querida? Depois de me esperar por duas horas de sufoco, você merece.

- Se você pede… – Disse ela, levantando-se e caindo no tapete da sala. Vinícius liga o abajur e apaga o restante das luzes. Por fim, consente com o local e deita ao seu lado, no tapete confortável no meio do aposento. Enquanto eles se abraçam no chão e lentamente adormecem, os itens perecíveis estragam fora da geladeira. Certamente, deverão retornar à venda no dia seguinte.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um breve grito

Obrigada, valeu, volte sempre. Não consigo entender as pessoas, por mais que eu tente. Também não consigo confiar nelas, independente do que elas façam. E isso é fácil de se entender porque até a melhor das almas sempre faz uma merda impensada de vez em quando. Inclusive eu. Por isso eu não confio nem em mim. Entretanto, eu tenho que admitir que realmente me comove presenciar aquela pessoa que eu gosto de um jeito especial implorando por uma chance, um voto de confiança. E por mais que eu nunca acredite em ninguém, eu acabo cedendo e acreditando nessa pessoa quase completamente, o que é um crime para mim mesma e para os meus valores pessoais. Fazer o quê, já falei que é perigoso confiarmos em nós mesmos. O que ocorre é que quando você entrega o tal voto de confiança, você tem que torcer. Torcer para que o elemento premiado não seja justamente o cidadão que rasga o seu voto de confiança ao meio e depois tenta colar com Super Bonder. Ah, se a super cola fosse a solução para todas as mentiras... As pessoas andariam com as bocas coladas, com os olhos grudados, com os ouvidos selados. Seria tudo mais fácil, até mesmo porque o mundo inteiro seria semelhante. A maioria da população teria o peito colado pelo magnífico Super Bonder da verdade retardatária. Afinal, ela só chegou com um pouquinho de atraso! Quinze dias, quinze meses, quinze anos. Concordo que a proporção de tempo influencia na gravidade. Porém, qual é o propósito? O mesmo: omitir para aliviar. Para aliviar. Mas existe uma coisa que me parece um tanto óbvia, que se desenvolve com uma série de questionamentos. Sabe por que a merda impensada não deve ser aliviada? Porque a merda impensada simplesmente não foi pensada, não teve reflexão prévia, então você tem um problema solucionável com desculpas e sinceridade imediata. Agora, a merda adiada já passou pelo processo de reflexão. Portanto, passa de merda impensada para merda avaliada. E aí você joga intenção. Lança intenção porque decidiu esconder a verdade e esperar o momento oportuno para botar ela na mesa e usar o Super Bonder. É... Digamos que várias pessoas desistem da mesa e preservam mentiras corrosivas para o resto da vida. Eu conheço muitas pessoas assim e, sinceramente, não sei como elas conseguem ter tanto sangue frio. Mas se você decide esclarecer tudo e remendar depois, já é um início. Não é lá muita coisa, mas é melhor do que se autocorroer durante anos. Portanto, parabéns. Você foi promovido de cafajestão para canalhinha. Você tem uma intenção boa. Há uma luz no fim do túnel. Não vamos todos morrer sufocados em uma contagem regressiva de dez, nove, oito... Ar? Onde está o meu ar? Por que eu não consigo respirar se eu disse que não ia morrer? Porra, quanta dramaticidade, a contagem mal começou... Ah, que droga. É a mágoa me sufocando mais uma vez. Por que ela existe, essa vaca? Por que ela simplesmente não vai embora, larga do meu pé, da minha vida, da minha mente? Por quê? Bom, porque ela gosta de aniquilar a harmonia das pessoas. O dever dela é ficar alimentando um sentimento de tristeza em relação ao passado, à culpa do passado. Que sim, deveria ser anulado com aquilo que chamamos de arrependimento. Afinal, nós erramos tanto quanto as pessoas que erram com a gente. Mas por que não conseguimos seguir o Evangelho e amar ao próximo como nós mesmos? Porque também não acreditamos nele. Nem no Evangelho, nem no próximo, nem no distante. Apesar de achar bonita essa citação. Por que os fatos não são anuláveis? Por que essa maldita mágoa que arrebenta com tudo repentinamente só é absorvida com o tempo? Porque raios tantas perguntas em um texto só? Não sei responder e não quero esperar, queria sinceramente poder me livrar dela agora. Mas mesmo que eu arranque a desgraçada do meu coração, ela permanece na minha cabeça. Sempre mais na cabeça do que no coração, e isso tem um porquê bem nobre. Ela faz sua morada na cabeça simplesmente porque o coração a menospreza, ri e manda ela se fuder. Ele sabe que o que está guardado dentro dele é muito maior que qualquer magoazinha minguada que fica tentando destruir a gente. Ela é uma coitada, fala sério. Ela é tão fraca que precisa estar dentro de todas as pessoas para surtir algum efeito. Por isso todo mundo guarda mágoa, e os poucos que não guardam, estão em retiros espirituais distantes das sociedades hipócritas. Vamos ter pena dela. Então me dê motivos contrários a ela, pontos que transformem ela em um nada gigantesco, razões que superem mentiras e Super Bonder. E outros tipos de cola. Como faz? Não sei, comece por tentar evitá-la. Se eu soubesse mesmo das coisas não tinha escrito tantas perguntas. Mas se você descobrir a receita exata para se livrar da mágoa, me conte e gritaremos juntos: “Se fode, queridona”. Eu pago antecipado e te dou um voto de perdão para o resto da vida. Me perdoe por guardar a mágoa, que eu te perdoarei por ter a causado. Talvez com esse equilíbrio eu consiga esquecer tudo, perdoar tudo. Eu não acredito em ninguém por uma questão de sobrevivência, mas posso sem querer acreditar em você porque no fundo eu guardo um desejo descontrolado de querer confiar em alguém plenamente. Me jogar no colchão de costas sem dobrar os joelhos, sabe... Desfrutar de uma grande sensação de liberdade. Agora, se o colchão está posto muito para baixo, eu posso bater a nuca no piso. E aí não vou me jogar assim facilmente tão logo. Até porque, em função disso, uma estranha protuberância pode nascer na minha cabeça, e eu não terei certeza se é efeito da pancada ou coisa pior. E nem vou querer saber.

sábado, 4 de julho de 2009

Proposta editorial de gaveta

Postando a proposta editorial não escolhida para um programa de rádio. A selecionada pode ser conferida no blog http://moussedeanemona.blogspot.com/.

Proposta Editorial 2

- Título: Super Armário World.

- Slogan: Tirando do guarda-roupa até o “tã-nã-tã-tã-nã-tã!” (música do Mario, personagem
fictício de videogame criado em 1981, para a empresa Nintendo).

- Resumo: A proposta editorial consiste em apresentar o perfil de um programa de caráter inovador, que busca o sucesso através da memória dos ouvintes.

- Público-alvo: Pessoas de 15 a 30 anos, das classes B e C.

- Tipo: Programa de entretenimento jornalístico, dado a partir da contextualização de acontecimentos recentes com clássicos da televisão, do cinema, da música, dos games, dos esportes, entre outros.

- Justificativas: O programa é importante para incitar a valorização da memória dos ouvintes, informando e trazendo à tona momentos que marcaram época.

- Objetivos:

Geral: Valorizar a memória dos ouvintes apresentando curiosidades atuais ligadas aos principais clássicos do entretenimento.

Específicos: Fornecer informações atuais que se relacionem com tópicos antigos; abranger uma ampla diversidade de assuntos; manter um caráter espontâneo e descontraído; abrir espaço para sugestões dos ouvintes; fornecer perfis, vinhetas e diálogos clássicos de acordo com a questão tratada; trazer curiosidades diversas.

- Sugestão de Veiculação: Sexta-feira, o último dia da rotina semanal. Horário no final da tarde, por volta das 18h00. Em qualquer emissora de caráter misto, que não seja religiosa ou excessivamente séria.

- Metodologia de Trabalho: Há dois apresentadores, que atribuem o perfil espontâneo e auxiliam na sugestão, produção e pesquisa dos temas. O programa conta com um redator-editor-produtor específico, que coordena os trabalhos e apronta o resultado final. A rotina de trabalho será iniciada por meio de pesquisas que comprovem aniversários de famosos, emissoras, produtos ou acontecimentos, como também fatos recentes que possam ser relacionados com tópicos tradicionais. Tendo um ponto de partida, a pesquisa se desenvolverá em várias direções, aceitando sugestões dos ouvintes ao longo do programa.

- Produção Executiva: O programa precisa de divulgação prévia, que pode ser feita através do próprio meio radiojornalístico. A viabilização pode ser garantida pela emissora de maneira simples, visto que o programa não exige grandes gastos. A estrutura técnica da emissora é de responsabilidade da empresa, que não será escolhida se, por exemplo, dispor de um transmissor inadequado. Os possíveis patrocinadores do programa podem estar ligados a todas as áreas de comércio.

- Referências Bibliográficas: Pode crer.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Os nossos olhos

Você não sabe como isso me destrói. De tempos em tempos, parece que arrancaram sem anestesia um pedaço do meu corpo altamente vascularizado. Parece que o sangue nunca vai parar de escorrer. E o entendimento disso é simples porque eu simplesmente apreciava tudo em você. Gostava do seu cabelo sem condicionador, dos seus dentes bonitos, da sua pele morena, da sua postura levemente caída, do seu olhar demorado e das suas camisetas gola-pólo. Isso, sem contar os seus olhos escuros, o seu meio-sorriso e a sua narina esquerda curiosamente maior que a direita. Até do seu sotaque regional e da sua língua levemente presa. Aprendi a gostar dos seus defeitos, também. Da sua frieza, da sua insensibilidade, do seu humor fantasma e da sua mente poluída. Tudo isso, até o ponto em que você conseguiu fazer eu me sentir a sobra do almoço requentado da penitenciária interditada, e ainda teve a capacidade mórbida de se ofender (e me ofender) quando eu cobrei o mínimo de respeito. Mas a culpa foi dos paradigmas, não é mesmo? Benditos paradigmas entre pessoas de mundos diferentes, nos quais um objeto comum pode ser visto tanto como natural quanto absurdo. Se eu não fui aberta o suficiente para acolher suas opiniões sobre os fatos que nos distanciaram, tenho somente a lamentar. Só deixo claro que as minhas lamentações baseiam-se em diversas reflexões e opiniões que apenas esclareceram o que deveria ser óbvio para qualquer ser humano de bom senso. E óbvio também é que eu permaneço com uma consciência isenta de qualquer gênero de culpa. Mas, embora eu não devesse, eu me sinto mal. Você não faz idéia do quanto eu sinto a sua falta, apesar de eu não conseguir imaginar se você sente a minha também. Você não calcula o quanto dói rever uma foto sua e perceber uma ligeira felicidade nos seus olhos parados, sabendo que eu não posso mais compartilhar contigo sequer uma felicidade estática. Saber que isso nada mais é do que os olhos de uma fotografia, um retrato, uma tênue lembrança. Mas, por enquanto, minha memória ainda não me trai. Fecho meus olhos e visualizo os seus, fugidios, apertados de leve, eventualmente sérios, mas sempre tranqüilos, fitando os meus com uma misteriosa expectativa. Penso que é bom eu nunca ter tido certeza do que eles realmente esperavam de mim. Infelizmente, desse punhado de expectativas, hoje nos restam apenas ruínas e memórias. Você fechou os seus olhos para mim e, em resposta, eu fechei os meus para você. Na minha visão, eu fui claramente fraca ao deixar você me magoar. E, embora a minha atitude de romper com tudo tenha parecido essencialmente forte, no fundo ela foi apenas uma fuga na direção do que qualquer pessoa faria. Pois minha personalidade compassiva logo assimilou que tudo o que você fez foi desprovido de intenções ruins. E esse fato fez eu reconsiderar profundamente suas atitudes cegas. Mas, eu deixei a minha posição muito clara, e alertei mais de uma vez que eu não precisava passar por certas situações que me suscitassem sentimentos ruins. E você continuou não entendendo, e acreditando na sua razão egoísta. Aí eu tive pena, uma pena descomunal. De você e de mim. De você, por jogar todos os nossos sonhos fora em função de uma teimosia, riscando da lista o futuro promissor que poderíamos vir a ter. De mim, por isso e principalmente por eu não ter conseguido manter uma posição estável para tentar nos salvar de uma forma plausível. É triste, mas não cabe a mim a perfeição. Só espero que um dia, você e todos os outros não-intencionados do mundo, assimilem com clareza que o que realmente define e preserva uma relação começa com “c” e termina com “ão”. E não é coração, o agente que sustenta a magnitude da nossa alma. É consideração, simples assim.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Amor e desamor

Postando um antigo texto.

Eu sou um ser instável e sentimental, como grande parte dos românticos póstumos das eras atuais. Felizmente, dentre todas as minhas incertezas, ao menos existe uma firme convicção em relação aos meus sentimentos. Tudo o que em mim surge, possui igual ou maior capacidade de desaparecer. Se não totalmente, em grande parte, através de muito esforço, paciência e pleno domínio da razão. Razão esta que, infelizmente, não prevê o dia em que eu vou conseguir arrancar você por inteiro da minha emoção. Mas, apesar dos pesares, posso dizer que o meu amor doentio permanece encarcerado, débil e desprovido de água, luz e calor. Como uma samambaia seca. Seca, que aos poucos perde suas extremidades e morre mais seca, a cada entardecer. Porém, é certo que o fato desse amor ter sido tão descomunal em proporções ainda o torna austero, mesmo em fase terminal. Minha pele ainda não absorveu totalmente a cicatriz grossa deixada pela angústia, por tanto tempo, cravada no meu peito. Há meses que, oficialmente, eu desisti de fazer você me amar. Ergui a bandeira branca, pois, curiosamente, o meu amor a mim se sobrepôs ao meu amor a você. E esteve claro que eu idealizei um problema que dizia respeito a nós, erroneamente. Um problema imensamente triste, diga-se de passagem, mas um fardo de minha exclusiva responsabilidade. Afirmo que foi um problema meu, pelo fato de o mundo nunca ter presenciado uma referência a mim e a você como duas pessoas que compartilham posições semelhantes. Posições de ser que ama e ser amado, sem mais complicações. Mas, talvez, como recompensa pelas minhas longas reflexões sobre a manipulação da vida sobre o que acontece ou não, eu não mais derramo nenhum tipo de lágrima, seja de dor, de solidão, ou de mágoa. Digamos que eu aprendi a fingir que você não tem importância nenhuma, e, inconscientemente, estou sempre desenvolvendo habilidades para viver com a sua ausência espiritual. Com a ausência física eu já estava acostumada, mas o meu pensamento tomado por você todos os dias começava a sugar minhas energias vitais, junto com o que restou do meu franzino amor-próprio. Então, eu finalmente desisti e entreguei o meu coração ao destino. Procurei considerar as oportunidades que a vida me oferece, há tanto rejeitadas. Deu-se, então, que uma pessoa me ofereceu em segundos o que você não cogitou em vários meses. Meses estes, marcados pela agonia de uma falsa expectativa e por um profundo êxtase de felicidade individual. Felicidade produzida pela certeza de que você existia e que era possível ao menos conviver, de certa forma, com a sua figura familiar. Mas, excluindo o passado, o que interessa é que surgiu alguém que aprendeu a gostar de mim da maneira que eu sou, e se fez gostar por um jeito tão imperfeito quanto o seu. E o imperfeito tornou-se perfeito. Uma pessoa disposta na hora certa, foi uma situação completamente banal e valiosa. Assim, eu venho sendo conquistada e vou conquistando, pacientemente, alguém que abraçou a causa que você renegou. Desde então, baseada na incrível idéia de como o ser humano consegue atingir o domínio do que se almeja através de insistência e força de vontade, a atração que eu senti por um estranho prévio se transformou em um enorme carinho, e esse enorme carinho, por fim, em amor. Um amor substituto. Um amor talvez ainda não tão intenso, não tão desesperado, não tão absoluto, porém muito mais nobre. Um amor de doação, um amor recíproco. Que cresce lentamente a cada dia, cada mesmo dia, em que o meu outro amor por você definha.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sobre memoriais póstumos

Cury disse que eu sou insubstituível. Mas ele pode estar mentindo. Se eu morrer, outros indivíduos virão em meu lugar? Se eu morresse antes de terminar de escrever esta frase, digamos... Voilà! Ela poderia não ser finalizada e dar em reticências, como deu. Entretanto, eu não morri, e, conseqüentemente, passo longe de ser um alvo de substituição de matéria inválida. Mas caso eu morra, e vire pó, a substituição entra em campo. Aí eu entraria em contato do outro lado, dizendo se eu me sinto insubstituível na prática ou não. Se bem que correspondências do além não devem ter muita credibilidade. Quando a morte vier, provavelmente não saberemos como lidar com a nossa não mais existência. Uma das alternativas é virar pó. Mas esse conceito não é muito exemplificado. Podemos virar pó dos mais diversos gêneros? Existem opções de escolha? Pó-de-mico, no intuito de fazer rir os outros. Pó-de-arroz, objetivando embelezar diversas vaidades ocultas. Pó de poeira, num impulso rebelde de emporcalhar e criticar a sociedade. Ou até mesmo pó de droga, para traduzir em cinco letras que a nossa suposta vida realmente foi um desperdício de existência. Mas essas não são as únicas alternativas. De acordo com a imensa gama de religiões onipresentes no mundo atual, podemos saltitar eternamente num glorioso campo florido, aos finais de tarde, ou queimar até o último suéter em meio à brasas malditas e fulgurantes. Obviamente, também podemos vagar entre o meio-termo sórdido que é o limbo, tradicionalmente apresentado no ideário popular através de uma atmosfera pálida e musgosa. Ainda podemos povoar colônias espíritas, fazendo nossos deveres e “malhando” nossas almas para encararmos a vida ao longo de diversas existências. Uma suada tarefa... Ou podemos alcançar o nirvana, não necessitando mais da matéria física. Podemos nos alimentar de energias. Podemos jantar a Bíblia e consumir o Alcorão como sobremesa. Ou podemos simplesmente ignorar doutrinas religiosas e nos converter em nada. Ao morrer, podemos nos ver como partículas cósmicas banhadas por um vácuo infinito infinitamente sem fim. Mas parece triste. A questão é: Se somos insubstituíveis, a nossa morte jamais implicará em nosso esquecimento? Não. O ser insubstituível de Cury se dá ainda em vida, e não em morte. É muitíssimo mais importante sentir-se útil e completo em vida, do que ganhar um memorial póstumo a ser celebrado vez ou outra. A morte é uma incógnita, um bônus, uma linha de chegada que atravessamos para encarar outro estágio. Completamente desconhecido, mas imposto.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Discutir nem sempre é pensar

Eu não começo o texto com frases de grandes pensadores ou filósofos porque eu acho uma hipocrisia. Nada contra quem adota esse tipo de introdução na maioria dos textos, até porque eu adoro os caras, na maioria das vezes eles foram barbudos, eremitas e inteligentes. A barba é um estilo particular que nos permite distinguir fisicamente qual é qual, tendo em vista o escasso arquivo de fotos que os bonitões nos deixaram. Já o eremetismo pode ser visto como um meio nobre de se atingir o nirvana sem precisar ter que filtrar a massa indigesta de informações grotescas ao nosso redor. Muitos desses pensadores abriram mão de suas figuras sociais e adotaram a vida solitária não por pressão da sociedade, mas por conta deles próprios. Tudo porque as pessoas simplesmente não conseguem entrar em um convívio mútuo sem contaminar a mente uma das outras. Depois ninguém entende porque tantos monges buscam a paz em lugares isolados no Tibet e mundo afora... Já a inteligência a qual me refiro não é essa "inteligência" induzida dos pseudo-intelectuais que acham que sabem de alguma coisa. Aliás, particularmente, eu desprezo ao máximo a raça de pseudo-intelectuais que acreditam saber de alguma coisa. Mas, afinal, o que é um pseudo-intelectual? Vamos lá. Sobre um pseudo intelectual...

1. Um pseudo-intelectual é um ser que desperdiça qualquer proporção de tempo tentando convencer qualquer outro ser sobre qualquer assunto, crente que tem qualquer tipo de razão.
2. Mesmo que um pseudo intelectual tenha um resquício de razão, não faz diferença nenhuma, visto que jamais vamos saber algum dia qual é a verdade absoluta sobre as indefinidas merdas aleatórias que nos cercam.
3. As merdas aleatórias simplesmente não têm verdade absoluta. Porque elas são merdas, e são aleatórias.

E o que é uma merda aleatória? Sobre as merdas aleatórias...

1. Uma merda aleatória nasce do processo de transformação de um assunto comum em um tópico de discussão inválido. Inválido porque geralmente não acresce nada a ninguém. E uma discussão tem como objetivo gerar um troca de informações (sejam elas corretas ou não), que valorize o ato da permuta de argumentos. Não o conteúdo em si, mas a predisposição das pessoas a compartilharem suas idéias de uma forma compassiva e indagadora.
2. Uma merda aleatória não é, basicamente, o assunto da discussão. É a discussão desprezível em si. Podemos no utilizar de um exemplo. Temos um monge budista e um fervoroso padre católico. Eles começam a discutir sobre Deus, expondo as doutrinas de suas respectivas religiões. Se ambos refletem sobre idéias alheias às suas antes de descartá-las, temos uma discussão razoável. Mesmo que ambos acreditem apenas em suas próprias palavras, preservando a crença que Deus ouve suas tolices bem-intencionadas sem nada alterar, temos uma ótima discussão. Agora, se a visão bitolada de ambos afirma que existe uma verdade absoluta, então eles transformaram uma discussão religiosa em uma merda aleatória.
3. Uma merda aleatória é discutida por todos os setores da sociedade, em todas as ocasiões, e por qualquer personagem público que acredite assemelhar-se com um pseudo-intelectual. Religião, economia, política, cultura, esporte, lazer, jornalismo, publicidade, relações públicas e derivados, são alguns dos assuntos aptos a facilmente se tornar merdas aleatórias.

E o que eu, elemento comum, tento transmitir ao dizer que os pseudos-intelectuais e suas merdas aleatórias são desprezíveis? Que precisamos aprender a reduzir o que há de mais importante à escala zero. Isso, porque aquilo que há de mais fundamental, vale, no máximo, nada. Tratando-se de um ser mortal que não apresenta dificuldades para morrer - eu ou você -, percebemos que o que você construir na sua mente vai afetar apenas alguns minguados grãos de areia, em uma praia infinita, e ainda assim por tempo limitado. E como todos temos um pouco de pseudo-intelectuais dopados de particulares merdas aleatórias, o mais emocionante a fazer é direcionar o auto-desenvolvimento para os abismos de nossos próprios interiores. A cada dia que passa, observo que não adianta conversar tentando acrescentar novas idéias no portfólio das pessoas. Na maioria das vezes elas mal escutam. Então, eu simplesmente não incluo, não insisto, não me estresso. Um dia eu provo. E mesmo essa prova, valerá apenas para o meu orgulho, tão pequeno em um universo tão grande. É uma idéia essencialmente egoísta, mas que pode ser compensada com uma dose sincera de compaixão. Se você desiste de alguém, você não precisa desistir de acreditar nesse alguém. Apenas espere e "faça sua parte". Eu realmente defendo a tese de que os homens que agem sem pensar são piores dos que pensam sem agir. Também concordo que no cimo das montanhas há paz, e que o inferno são os outros. Aposto no poder de amar estes outros, pois a medida do amor é amar sem medida. E, principalmente, acredito que todas essas citações são ótimas, e que a melhor delas é saber que nada se sabe. Mas dessa vez não, não quero esse bando de pensadores barbudos filosofando no meu texto rebelde. Até porque eu acho que eles têm toda razão.


quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Preencha com um verbo

Não sei... De repente me deu uma um desejo incontrolável de _______. Não sei direito qual é o sentido de _______, apenas acredito que nesse momento, eu necessito _______ para atingir a minha plenitude. Se é algo parecido com merecer, querer, fazer, sentir, discutir, curtir, pensar, amar ou arremessar, eu não faço a menor idéia. Só sei que _______ é o verbo que irá preencher a minha vida de êxtase e alegria, a partir do momento que se inicia agora. A fundo, desconheço o que é _______. Não sei se algum dia eu já soube _______, pois quando você realmente reserva alguns instantes para tentar ________, você toma conhecimento de que é uma coisa complicada de ser executada ou percebida. E quando você acha que _______ é simples, provavelmente considera que o ato de _______ está feito e pode ser perpetuado sem qualquer dificuldade. Engana-se, pois _______ é demais precioso. A realidade mostra que não é possível simplesmente arregaçar as mangas e _______. Quando surge a vontade desesperadora de ______, geralmente ela se adere ao nosso ser e se divide em porções, povoando um lugar especial em cada nova vontade individual. Portanto, a partir do momento em que a sua existência clama por _______, todos os seus desejos são fabricados já com a condição de que haja a expectativa de _______ em algum momento na realização de cada um deles. Quando você quer conquistar alguém, você quer conquistar e _______. Quando você quer desenvolver um projeto, você quer desenvolver o projeto e _______. Quando você quer vencer, você quer vencer e também quer _______. Agora, quando você quer ______, você encontra todos os meios para exprimir os seus milhares de outras esperanças, como se _______ fosse o oráculo das nossas escolhas. Complexo... Não há lacuna que substitua e transmita a verdadeira essência de _______. Algum dia, se eu conseguir _______ por um contínuo espaço de tempo em alta intensidade, a lembrança da sensação de _______ apenas me dará novas atitudes otimistas para alcançá-la novamente. Porque _______ não tem explicação, não tem preço, não tem condição. Tem apenas necessidade. Voe.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Mais uma noite

Mais uma noite, e o vestido verde permaneceria intacto no armário. Envolto pela atmosfera salgada do litoral, pouco a pouco a superfície áspera da peça se embotaria de mofo e empalideceria ao ponto de precisar ser lavada sem uso algum. O quão triste seria aquela noite, é algo indescritível. Os planos que foram perdidos transformaram-se na incomum poeira seca de um dia de chuva. A água os lavou por um tempo tão indeterminado que se perdeu qualquer esperança de realização futura. O verde chumbo das minhas unhas não seria visto, nem sequer lembrado como uma combinação outrora perfeita. O meu cabelo solto, esvoaçante e delineado, iria manter-se na posição de um cabelo comum de quem perde horas em casa, despreocupado com a aparência. Os momentos de véspera, os mais saborosos da expectativa, começaram a latejar na minha mente após as seis horas da tarde. Eu não sentia uma ânsia aguda simplesmente por não comparecer ao evento em si. Vivenciei apenas como a tênue linha que contorna a minha imagem se apagava na memória alheia ainda mal estabelecida, mesmo que de maneira inconsciente, dos quais eu realmente prezava. Mais do que isso, eu sentia profundamente pelo modo como os meus planejamentos foram bruscamente interrompidos. E sentia também como os autores cegos dessa interrupção ignoraram o meu estado de espírito. Acabo por analisar os efêmeros instantes de felicidade como o combustível principal da minha existência. Se os mais desejados são aniquilados sem que haja uma real necessidade, vejo a minha vivacidade sendo destruída em porções. Admito que hoje, parte da minha vida arruinou-se. Pode ser egocentrismo afirmar que essas ruínas definem apenas um fato que não foi consagrado, uma vontade irrealizada. Pode parecer ou inclusive ser um capricho. Mas eu demais valorizo cada segundo que não consegui viver, talvez até mais do que aqueles que realmente fizeram parte da minha história. E essa é somente uma das minhas fraquezas que não vêm ao caso. Após a sentença dada, o meu dia transcorreu como uma pena a ser cumprida. Desprovida de prazer ou de predisposição a melhorar o humor, não tentei compreender o júri ou alegrar o mundo a minha volta. No dia de hoje, eu senti como é estar suspensa onze andares acima do chão e ter consciência disso. Independente do local que eu estivesse ou para qual eu me movesse, meus pés não encontravam firmeza no piso. Mesmo estando sentada ou estática, tudo parecia estar prestes a desmoronar comigo em cima. Vertigem... O momento não voltaria jamais. Outros viriam em seguida, mas, este, em especial, perduraria vivo na nostalgia eterna dos momentos perdidos dos quais sabemos que o tempo não nos faz esquecer. Qual é a próxima esperança?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Acima das cinzas

E se o mundo não estivesse em chamas? A sociedade não estaria promovendo bailes em brasa e nós não teríamos caudas pontiagudas. O único tridente em mãos seria o garfo da lasanha, e a faca serviria apenas para cortar o alimento. Nada de esfaquear pessoas ou, endiabradamente, assassinar os sonhos do futuro. Pois para quem ainda não percebeu – leia-se o globo praticamente inteiro –, vivemos num inferno constante no qual os principais agentes exterminadores de esperança são os mesmos personagens que a semeiam, vez ou outra. De que adianta conservar esperança, se a realidade hipócrita em que vivemos cerra nossos olhos com o sangue impuro que desce a fronte e escorre pelo nariz? Estão nos cozinhando, cozinhando nossos cérebros, e permitimos ser cozidos como a lasanha a ser comida. E o sangue que corre pelas sarjetas, tão imensamente povoadas, é o mesmo que corre nas nossas veias e artérias. Nós mesmos estamos nos matando, a nós e aos nossos descendentes, de forma grosseira e desumana. Não me refiro apenas ao cenário de guerras constantes ao redor do planeta, mas à guerra que ocorre nos pequenos grupos de pseudo-intelectuais que acreditam dominar os conhecimentos e a prática da convivência humana. Sentimos informar que eles, como todos os humanóides que refletem sobre algo, estão enganados. Nós também estamos enganados, ao crer que o engano não povoa a totalidade do nosso ser. Simplesmente porque vamos continuar "lutando" por vários fatores praticamente inatingíveis das nações, começando pela democracia. Guerreando contra a desigualdade social, contra a fome, contra a ausência de educação – quando a educação em questão não supre sequer as nossas necessidades. Eu me refiro a nós como a classe média da população, a parcela que possui o mínimo de acesso aos meios de comunicação. Um aspecto tão incrivelmente sagrado para nós e, simultaneamente, tão demoníaco. Nada é real, o mundo real não nos pertence. Tudo o que assistimos, compramos e discutimos é uma massa de informações previamente mastigada que chega a nós no estágio quase final de uma digestão que nunca se consuma. Engolimos o que uma pequena parcela de belzebus alheios determina, e "democraticamente" buscamos consumir e refletir sobre essa nhaca indigesta. Povoamos inúmeras salas de aula e ambientes de discussões, crentes que o conteúdo aprendido é o que mais se aproxima da realidade, de uma realidade que quase deixa de existir, pelo fato de ser tão vaga. Por isso é difícil descrever o quão inúteis nós somos, tentando conviver no Brasil e no mundo de um modo apaziguador. Duvidando de tudo que vemos e de tudo que ouvimos, na intenção de amenizar essa lavagem cerebral imposta por criaturas que conservam chifres no lugar do próprio cérebro. E que ainda planejam cozinhar os nossos, já pré-cozidos. É quase impossível crer em algo que se distinga do resto das faces ardidas por queimaduras de décimo terceiro grau. O próprio purgatório parece uma definição muito boa para o que está acontecendo enquanto reflexões como esta são jogadas fora. Vamos empurrando as cinzas para debaixo do tapete, na medida em que a Terra permanece em órbita e seus habitantes convivem em uma semi-paz. Semi, porque em algum lugar, bem alto, a paz ainda existe.